Fonte: Revista VEJA - Ainda mais acuados
Revelação do horário em que a família chegou em casa no dia do crime complica situação do pai e da madrasta de Isabella
Nardoni e Anna Carolina, em entrevista ao Fantástico: a defesa faz o que pode Marcelo CarneiroRevelação do horário em que a família chegou em casa no dia do crime complica situação do pai e da madrasta de Isabella
Uma informação revelada pela polícia na semana passada complicou ainda mais a defesa do casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, indiciados pelo homicídio da menina Isabella Nardoni, de 5 anos. Por meio de um rastreador que Nardoni havia instalado em seu carro, investigadores conseguiram descobrir que, na noite do crime, ele chegou com a família ao prédio onde mora, em São Paulo, precisamente às 23h36. Esse tipo de aparelho, útil em casos de roubo e seqüestro, emite sinais via satélite para uma central de operações que, com isso, consegue monitorar todos os movimentos do veículo e saber, inclusive, a que horas ele foi ligado e desligado. Só que, quando chegou para prestar seu segundo depoimento à polícia, no último dia 18, Nardoni não sabia que os investigadores estavam de posse dessa informação – fornecida pela central de operações à qual o rastreador está conectado. Ao ser inteirado, tentou mudar um dado que constava de seu primeiro depoimento, prestado logo após a morte de Isabella, e que o comprometia: o de que a filha havia ficado sozinha no apartamento por apenas quatro minutos – tempo exíguo demais para que um suposto invasor (que a defesa alega existir) asfixiasse a menina, cortasse a rede de proteção da janela, atirasse Isabella pelo buraco e saísse do apartamento sem deixar vestígios. Nesse segundo depoimento, ao ajeitar a versão, Nardoni afirmou que Isabella teria ficado sozinha por dezenove minutos e não mais quatro. Ocorre que isso também é impossível, já que, entre o horário de chegada da família revelado pelo rastreador (23h36) e o instante em que um vizinho telefonou para o resgate depois de ser avisado da queda de Isabella (23h49), passaram-se apenas treze minutos. Ao ser informado de que a conta não fechava, Nardoni tentou, novamente, retificar a informação. Saiu da delegacia ainda mais suspeito do que quando entrou.
Graças aos profissionais experientes e equipamentos de ponta da área técnico-científica da polícia paulista, foram reunidos dados que permitiram formar a convicção de que Nardoni e Anna Carolina são os assassinos de Isabella. Já os responsáveis pela área de comunicação da instituição não vêm apresentando um desempenho à altura de suas atribuições. Pressionados pela imprensa, delegados e investigadores andaram divulgando boatos e meras hipóteses como se fossem informações verdadeiras. Alguns equívocos que resultaram desse comportamento:
• Dois investigadores ouvidos por VEJA relataram que, horas antes de sua morte, Isabella teria recebido um safanão de Nardoni, durante uma festa no salão do prédio onde moram os pais de Anna Carolina. Essa festa não ocorreu e as investigações não confirmam se Nardoni repreendeu ou agrediu a filha antes do crime.
• Noticiou-se que não havia manchas de sangue no carro. A perícia, porém, constatou que existiam, sim, tais vestígios.
• A polícia afirmou que o casal teria usado uma fralda e uma toalha para estancar o sangue que escorria da testa da menina. Agora, informa que a toalha não existe.
• Policiais disseram que havia uma marca de sangue na sola do sapato de Anna Carolina. Não havia.
Investigações de homicídios como o de Isabella são mesmo complexas e, até que sejam concluídas, estão sujeitas a versões contraditórias. Podem ainda encerrar dúvidas que jamais serão esclarecidas, como a que gira em torno do momento em que Isabella foi asfixiada. Como os peritos envolvidos no inquérito, especialistas entrevistados por VEJA não entraram em consenso em relação a esse detalhe. "É mais provável que ela tenha sido esganada no carro, já que não haveria tempo para alguém asfixiá-la no apartamento e fazer tudo o que se sabe que foi feito lá", diz Marcelo de Oliveira, especialista em química forense e professor da USP de Ribeirão Preto. Já Roger Ancillotti, professor de perícia criminal e medicina legal da Universidade Castelo Branco, é de opinião contrária: "Isabella não teria sido encontrada com vida se tivesse sido asfixiada ainda no carro". No entanto, mais do que pontos obscuros como esse, são precipitações processuais e o desencontro de versões sobre aspectos fundamentais do caso que ajudam a municiar a defesa.
Embora acuados por revelações como a do tempo exíguo entre a chegada do casal ao prédio e o primeiro telefonema para o resgate, os advogados de Nardoni e Anna Carolina exploram com habilidade as brechas que surgem. Uma delas é o fato de o casal ter sido interrogado sem que os laudos da perícia fossem anexados ao inquérito – o que, como afirma o criminalista Tales Castelo Branco, não é ilegal, "mas não é tampouco recomendável". Outra boa jogada da defesa foi a entrevista exclusiva que o casal deu ao programa Fantástico, da Rede Globo, para tentar melhorar sua imagem. Os advogados cumprem o seu papel, mas se espera que o relatório final da polícia, a ser entregue ao Ministério Público nesta semana, depois da reconstituição do crime, seja cuidadoso o suficiente para evitar que se lance uma cortina de fumaça sobre a brutalidade que ceifou a vida da pequena Isabella.
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