segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Panelaço Nacional em Sete de Setembro, 17h


Panelaço Nacional em Sete de Setembro, 17h
O Panelaço – Rubem Alves

Bachelard observou que “a lembrança pura não tem data. Tem uma estação.”

É a estação que constitui a marca fundamental das lembranças. Que sol ou que vento fazia nesse dia memorável?”
Compreendi as palavras de Bachelard ao me lembrar daquele dia memorável, que não pode ser esquecido.
Era o fim de tarde, quando a luz do dia que se vai se mistura com o escuro da noite que chega e tudo fica indefinido. A indefinição ficava mais indefinida ainda pela chuva fina que começava a cair. Foi então que aconteceu:
um barulho surdo, metálico, sem melodia e sem ritmo, começou a subir das ruas, dos apartamentos, dos escritórios, barulho que não combinava com o momento… Fiquei assustado porque não tinha na minha memória registro de qualquer barulho urbano que se assemelhasse àquele que enchia a tarde-noite de São Paulo.
Eu estava no quinto andar. Tomei o elevador para o térreo. Queria saber o que estava acontecendo.
Quando, no térreo, saí à rua, os rostos sorridentes dos motoristas de táxi me fizeram lembrar.
Os motoristas cansados, ao fim do dia, usam as buzinas para exprimir sua irritação.
E eles estavam buzinando sem parar, mas sem que houvesse nenhuma razão de tráfego para tal.
Suas buzinas não eram irritadas. Buzinavam e sorriam. Parecia que estavam felizes.
Aí me lembrei e entendi. Olhei para cima e vi de onde vinha o barulho metálico:
as janelas e varandas dos apartamentos estavam cheias de pessoas que batiam panelas com colheres.
O barulho era ensurdecedor e lindo, musicalmente… Aquele barulho era o canto de um povo.
A chuva caia um pouco mais forte, mas as pessoas que andavam pelas ruas não demonstravam contrariedade.
Elas sorriam com a água a lhes escorrer pelo rosto. Era o panelaço: uma cidade sem armas que buzinava e batia tampas e panelas para derrotar um exército armado, à semelhança do ocorrido na cidade de Jericó cujas muralhas caíram pelo som das trombetas.
Chorei e me disse: “É muito bonito! Uma estória para ser contada e repetida! As crianças precisam saber…”
E foi ali que se formou na minha imaginação a estória que escrevi O flautista mágico .
No artigo “Os Pássaros”, dirigido às crianças, publicado no dia 21.07.09 nessa sessão, eu sugeri que, olhando para nossos sólidos representantes no congresso, um escorando o outro, fica claro que a maioria deles não está disposta a trocar seu menu de costeletas, lombos e lingüiças por uma modesta dieta vegetariana de alface e cenoura…
Numa alusão ao filme do Hitchcock, eu disse que era preciso chamar os pássaros…
Eles só sairão do castelo de impunidade onde se encontram se os pássaros os obrigarem.
Pássaros fomos nós, naquela tarde do panelaço contra a ditadura. Pássaros poderemos ser nós, agora…

“Esta é a hora: 7 de setembro às 17 horas! (…)
No dia 7 de setembro às 17 horas vamos paralisar o Brasil.
Às 17 horas vamos promover um panelaço! Exija que as redes de televisão, rádios, jornais, revistas e o político de sua confiança divulguem esse movimento. Mobilize sua escola, seu sindicato, sua igreja, seus amigos.
No dia 7 de setembro, às 17 horas, estenda na janela uma bandeira, uma toalha, um pano qualquer!
Bata panelas! Toque cornetas! Se você estiver no carro, buzine!
Vamos fazer a nação tremer por um minuto!”
As hienas e os gambás fugirão dos pássaros!
Eu vou buzinar, vou tocar sino, vou bater tampa e panela,
estender bandeira, tocar a Nona Sinfonia…
Ninguém poderá dizer que eu morri sem espernear…