Diogo Schelp, de Caracas
Yuri Cortez/AFP
Hugo Chávez é um político movido pelo instinto da concentração de poder. Quando a derrota no plebiscito do domingo 2 se revelou irreversível, seu primeiro impulso foi o de tentar esconder a verdade enquanto se pensava em uma saída golpista. Já sabendo da derrota, chavistas correram a divulgar falsas pesquisas de boca-de-urna dando a vitória à reforma constitucional – talvez esperando que a oposição sentisse o cheiro de fraude no ar e levantasse a voz, pedindo a anulação do pleito. No início da noite, com a convocação da cúpula das Forças Armadas veio a tentativa de mostrar força bruta. Chávez não contava com a astúcia do povo e da oposição venezuelana, que não caíram na provocação. O plebiscito foi sobre se o país preferia ser uma democracia ou adotaria uma nova Constituição de caráter totalitário. Se aprovada, teria dado a Chávez o poder ditatorial e vitalício. Perguntar a um povo se deseja ceder seus poderes constitucionais ao governante é um absurdo conceitual. As consultas plebiscitárias são legítimas quando arbitram conflitos dentro da própria sociedade – nunca para transferir poderes fundamentais do povo para os governantes. Os venezuelanos votaram claramente contra o projeto chavista de instalar uma versão diluída do regime cubano. Isso é um assunto resolvido. Chávez poderá tentar empurrar a revolução garganta abaixo dos venezuelanos – mas fazer isso ficou agora mais complicado.
Caudilho acuado: ameaças de retaliação
O caudilho finge que nada disso importa. Apesar de ter aceitado formalmente o resultado das urnas, em várias ocasiões, na semana passada, ele deixou claro a intenção de iniciar "nova ofensiva rumo à reforma". Se ele continua fanfarrão é, em parte, porque seu governo não está ameaçado no curto prazo. Chávez controla o Supremo Tribunal, o Congresso Nacional, grande parte dos meios de comunicação e, acima de tudo, os lucros da venda de petróleo. Mas a vitória oposicionista mudou bastante o panorama. Para começar, há uma nova e revitalizada oposição. Em lugar dos desmoralizados partidos tradicionais, ela é conduzida por novos protagonistas, como o movimento estudantil e o ex-ministro da Defesa Raúl Isaías Baduel. Esse general, o mesmo que garantiu a manutenção de Chávez no poder durante a tentativa de golpe em 2002, aderiu à campanha do "não" no mês passado para impedir a legitimação pelas urnas de uma tirania. Há nove anos no poder e com mandato até 2013, Chávez acumulava cinco vitórias eleitorais seguidas. Muita gente acreditava que fosse imbatível, pelo menos enquanto durasse o período de vacas gordas petrolíferas. Os clones de Chávez na Bolívia, no Equador e na Nicarágua devem estar agora com os nervos em frangalhos.
Na quarta-feira passada, Chávez precisou convocar seu ministro da Defesa para desmentir a versão de que naquela reunião na noite do plebiscito ele tentou – e não conseguiu – o apoio militar para um golpe branco. A maioria dos venezuelanos entendeu o desmentido da seguinte maneira: Chávez não conta com o respaldo incondicional do pessoal fardado. Primordial para que os militares ficassem do lado da legalidade teria sido a influência do general Baduel, agora na oposição. "Foi Baduel quem nos deu a informação, no domingo à noite, por telefone, de que Chávez havia se reunido com os militares e quem nos incentivou a continuar pressionando a comissão eleitoral a divulgar a contagem de votos", diz o líder universitário Freddy Guevara, um dos jovens responsáveis por transformar o movimento estudantil no principal protagonista da vitória do "não". Por modéstia ou cautela, Baduel não confirma nem nega que tenha influenciado indiretamente na decisão presidencial de aceitar o resultado do referendo. "O que posso dizer é que a Força Armada Nacional deu uma demonstração ferrenha de seu apego à Constituição e às leis", disse o general a VEJA.
O resultado das urnas deu uma vitória de apenas 1,5 ponto porcentual à oposição – diferença que Chávez qualificou de "pífia", num muxoxo de mau humor. O ditador frustrado pode continuar a falar de luta de classe, mas é perceptível que foi abandonado pelo eleitor mais pobre, aquele que ele adula com benesses clientelistas. A grande abstenção – 44% do eleitorado – foi elevada nos bairros pobres e em cidadezinhas do interior, tradicionais redutos do coronel. Esse eleitor está farto da incompetência administrativa e dos arroubos ideológicos do governo bolivariano. O preço do barril de petróleo atinge um recorde histórico, mas o cidadão comum em Caracas precisa entrar em fila para comprar 1 litro de leite. Chávez deveria ter prestado maior atenção à sabedoria de seu sósia, o desajeitado super-herói mexicano Chapolin Colorado.